Excerto: ... o afilhado da vil profissao de boleeiro, incitando-o a sair para Portugal, onde lhe segurava recursos para negociar, se nao quizesse outra carreira. Damiao Ravasco, soffreando esforcadamente a sua mania, cuidou que poderia conformar-se, e ja parecia vencido das indirectas instancias do padrinho. Mas, um dia, como visse annunciada a venda de carroagem e parelha do ministro francez, concorreu ao leilao, licitou por nao poder conter-se, e arrematou o trem, obedecendo a espora do instincto que o nao deixou reflectir na desobediencia. Dado tal passo, Damiao foi despedir-se do padrinho que o recebeu de mao rosto, improperando-lhe a baixeza das inclinacoens. O moco, porem, possuido dos fidalgos espiritos de muitos portuguezes coevos, netos de Gamas, Albuquerques, Castros e outros, respondeu que a sua inclinacao, nao o deshonrando a elle nao podia deshonrar ninguem. A pessoa de quem Damiao Ravasco se 123 despediu com muitas lagrimas era o menino Raul. A creanca pagava amorosamente os afagos do mulato, defendendo-o como podia, quando a mae o tratava com desaffecto, e fugindo d'ella para os carinhos do filho da preta, quando a retrincada senhora o appellidava affrontosamente o negro. Comecou o mulato sua vida de alquilador prosperamente, comprando carroagens, e boleando-as elle mesmo. A paixao da almofada e do pingalim nao lhe consentia aristocratisar-se na sua esphera de proprietario de nove parelhas normandas e seis aceados trens. Era artista em extremo grau. Entrajava com menos alinho que os seus criados. Todo o seu deliciar-se em luzimento e galhardia de composturas eram os arreios dos cavallos e o brilhante verniz das equipagens. A propensao do mulato nao era das que menos se prestam a irritar as sanhas das indoles brigosas. A parcaria com homens de Cavalharica, de natural bulhentos, muitas vezes o poz no gume do perigo, e outras tantas lhe deu admiraveis triumphos de pugilato, quando nao era a navalha que empurrava os...